CARTAS DE AMOR 017

Escrevo-te

A janela voltada para o nascente. Afastou o vaso de flores encarnadas e apoiou os cotovelos no peitoril, escorando o queijo nas mãos. Olhou o sol e sorriu. Sentiu o peito tombar de emoção e não reagiu. Que estranha sensação era aquela em plena desilusão Se não fosse o tom alaranjado do pôr-do-sol, diriam que estava de novo amor. Estava?
Era quase impossível: o último lhe viera acordando os sentidos julgados adormecidos pela viuvez. Enrolou-se nos sonhos. Tudo se passara rápido ou era apenas impressão? Uma lágrima se principiou em direção à boca, arrancando brasas no coração. Por ele se fora?, gemeu baixinho. Uma das mãos cuidou de segurar a lágrima. Tarde, porque o pranto já vinha de dentro.
Mas o que é isso, estou pensando nele outra vez De novo Examinou as cartas que escrevera nos longos meses. Todas guardadas nas lembranças. Sim, como lhe escreva palavras de amor.
Enveredando um pouco nas recordações, tomou cuidado de acender nas horas em que sentia o perfume dele no quarto. Era um perfume másculo. Deu voltas no que tinha do amado. Não sabe mais do aroma. Mas fica vendo as palavras dele. E como ele mesmo dizia, não olhe tanto as flores, que elas murcham e não se pode passar a vida assim.
O sol foi-se escondendo, respeitando as normas de fim do dia. A mulher à janela suspirou. Tudo virou quietude. Por que as flores na janela não cheiravam? Apanhou os cotovelos e descansou os braços ao longo do corpo. Ainda vacilou quando a lua veio caminhando nos pés de cajus por entre as poucas folhas de novembro. Mas dentro dela o sonho de amor fora esquecido. Andou para a cozinha e foi fazer um café.